Desinfecção por Luz Ultravioleta

Existem alguns meios de desinfecção mundialmente utilizados. Dentre eles, destacamos o cloro, luz ultravioleta e ozônio. As várias formas de desinfecção com cloro e derivados são as mais utilizadas atualmente. Entretanto, ultravioleta e ozônio têm avançado fortemente como meios de desinfecção. Neste artigo, vamos abordar a desinfecção por raios ultravioleta.

A luz ultravioleta faz parte do espectro eletromagnético com comprimentos de onda entre 100 e 400 nanômetros (nm). Quanto menor o comprimento de onda, maior a energia produzida. As lâmpadas mais usadas de baixa pressão de vapor de mercúrio têm comprimento de onda de 253,7 nm. Portanto, a faixa do UVC é a mais apropriada para a eliminação de micróbios. A faixa de UV vácuo (UV-V), especificamente com comprimento de onda de 185 nm, é própria para a produção de ozônio (03). As lâmpadas ultravioleta e fluorescentes são similares.

A luz ultravioleta é produzida como resultado de fluxo de corrente através do vapor de mercúrio entre os eletrodos da lâmpada. As lâmpadas de baixa pressão de mercúrio produzem a maioria dos raios com comprimento de 253,7 nm. Esse comprimento é muito próximo do comprimento de 260 a 265nm, que é o mais eficiente para matar micróbios.

A principal diferença entre a lâmpada germicida e a fluorescente é que a germicida é construída com quartzo, ao passo que a fluorescente é com vidro, com camada interna de fósforo que converte a luz UV para luz visível. Colisões entre elétrons e átomos de mercúrio provocam emissões de radiação ultravioleta, que não é visível ao olho humano. Quando esses raios colidem com o fósforo, eles “fluorescem” e se convertem em luz visível. O tubo de quartzo transmite 93% dos raios UV da lâmpada ao passo que o vidro (vidro macio) emite muito pouco.

Como Funciona a Desinfecção

“Microrganismo” é um termo amplo que inclui vários grupos de germes que provocam doenças. Diferem em forma e ciclo de vida, mas são semelhantes em seu pequeno tamanho e simples estrutura relativa. Os cinco maiores grupos são: vírus, bactérias, fungos, algas e protozoários. Focando-se numa célula básica de bactéria, interessa-nos a parede da célula, a membrana citoplasmática e o ácido nucleico.

O alvo principal da desinfecção por luz ultravioleta é o material genético ácido nucleico. Os micróbios são destruídos por ultravioleta quando a luz penetra através da célula e é absorvida pelo ácido nucleico. A absorção da luz ultravioleta pelo ácido nucleico provoca um rearranjo da informação genética, que interfere com a capacidade de reprodução da célula. Os microrganismos são portanto inativados pela luz UV como resultado de um dano fotoquímico ao ácido nucleico.

O ADN (DNA – ácido desoxirribonucleico) é uma molécula em forma de dupla hélice composta de bases nitrogenadas (adenina, timina, citosina e guanina [ver Figura 4]). O ADN armazena todas as informações necessárias para a criação de um ser vivo. O gene é a unidade de ADN capaz de sintetizar uma proteína. O cromossomo é uma longa sequência de ADN parecida com um fio.

O genoma é o conjunto completo dos genes de uma espécie. A alta energia associada ao pequeno comprimento de onda (240 – 280 nm) é absorvida pelo ARN (RNA – ácido ribonucleico) e pelo ADN da célula. A máxima absorção da luz ultravioleta pelo ácido nucleico, ADN, ocorre com um comprimento de onda de 260 nm. A Figura 5 mostra a similaridade entre a habilidade da luz ultravioleta em destruir E. Coli e a habilidade das células do E. Coli em absorver luz ultravioleta. Observe que a emissão de luz ultravioleta com comprimento de onda de 254 nm é muito próxima da melhor condição de absorção da luz pelo ácido nucleico com a célula. Uma célula que não pode ser reproduzida é considerada morta, porque não mais se multiplicará.

Desinfecção X Esterilização

Esterilização é quando se dá total eliminação de patógenos abaixo de um nível de medição especificado. A esterilização é definida como uma redução de contaminantes igual ou superior a 10-8, ou 99,999999%.

A desinfecção é a redução na concentração de patógenos para níveis não infecciosos. A desinfecção atinge vários níveis de redução.

Parâmetros de Qualidade da Água

Para efetuar a desinfecção de água potável e industrial, são necessárias certas condições para a água:

  • Filtro de partículas de 5 micras, pois vírus e bactérias podem deixar de ser atingidos quando houver partículas.
  • Dependendo da qualidade da água, filtros de carvão poderão ser necessários para retirada de material orgânico, que interfere na transmissão da luz ultravioleta.
  • Deve-se reduzir níveis de ferro e de manganês para 0,3 partes por milhões (ppm) e 0,05 ppm, respectivamente, e dureza abaixo de 100 ppm. Ferro, manganês e dureza (cálcio e magnésio) podem precipitar-se no tubo de quartzo prejudicando a transmissão da luz.

Como filtros de carvão e resinas podem agir como aceleradores de multiplicação de bactérias, os reatores de ultravioleta devem ser instalados no final da linha, ou seja, após esses.

Dosagem de Luz UV

A fórmula a seguir representa como é calculada a dosagem de UV:

Dosagem = Intensidade x Tempo de Retenção

Onde dosagem e intensidade são medidas em microwatt-segundos por centímetro quadrado (µWs/cm²), e tempo é medido em segundos (s).

Nota: 1000 µWs/cm² = 1 mWs/cm² = mJ/cm² (mWs = miliwattsegundos; mJ = milijoules)

Fatores que Afetam uma Desinfecção Eficaz com UV

  • Qualidade da água
  • Transmissão do UV
  • Sólidos suspensos
  • Nível de orgânicos dissolvidos
  • Dureza total
  • Condições da lâmpada
  • Limpeza do tubo de quartzo
  • Tempo de uso da lâmpada
  • Tratamento da água antes do UV
  • Vazão
  • Projeto do reator

Esses fatores estão relacionados principalmente com a exposição dos contaminantes na água e a transmissão eficiente de UV para uma ativação adequada. Os problemas incluem o sombreamento (em que os contaminantes pequenos são ofuscados por outros contaminantes presentes na água), incrustação ou descoloração do tubo de quartzo, intensidade da lâmpada e fluxos inadequados.

Transmissão de UV

A transmissão de UV é definida como porcentagem da luz UV com comprimento de 254 nm não absorvida após passar através de uma espessura de água de 1 cm. A transmissão depende de materiais dissolvidos e suspensos na água (ver Figura 6). Transmissões reduzidas diminuem a intensidade da luz na água, requerendo, portanto, maior exposição de tempo a fim de que a água receba uma dose apropriada.

A claridade visual de uma água não é um bom indicador de sua transmissão, uma vez que a água que é clara para luz visível pode absorver o comprimento de onda da luz ultravioleta.

A melhor forma de medir a transmissão de luz ultravioleta na água é fazer a medição com uma pequena amostra em um aparelho chamado fotômetro, que mede especificamente a transmissão do comprimento de onda de 254 nm na água. O fotômetro informa o resultado em termos de porcentagem. Por exemplo, transmissão: 25%, 70%, 79%, 85%, 99%, etc.

Impacto da luz ultravioleta combinada com a transmissão UVT
Teste prático, demonstrando relação de dosagem x inativação de coliformes fecais de efluente

Fatores de Projeto de um UV

A câmara de água ou reator deve ser projetada de tal forma que assegure que todos micróbios recebam uma dose suficiente de exposição à luz ultravioleta. Quando não projetados visando a esse padrão, alguns raios ultravioletas sofrem o que se chama “curto-circuito”, ou seja, micróbios passam pela câmara sem receber dose suficiente de luz ultravioleta. Atualmente essas câmaras são projetadas da mesma forma que aviões e carros, ou seja, testadas em túneis com fluxo de ar.

No caso de reatores, no projeto utilizam-se os sistemas CFD (computacional fluid dynamics — dinâmica de fluido computacional), ou seja, programas que mostram como se processa o fluxo de água através da câmara, mostrando inclusive a trajetória de partículas, para se otimizar o projeto. Sem dúvida o teste final com análises de água antes e após o ultravioleta, variando-se vazão, quantidade de contaminação antes e após o ultravioleta, é o que nos dará a indicação final do produto.

Tecnologia de Lâmpadas

Basicamente, dois tipos de lâmpadas são utilizados em um projeto de ultravioleta:

Atualmente, uma nova versão de lâmpadas com baixa pressão de mercúrio está sendo utilizada: lâmpadas de baixa pressão e grande potência (LPHO). A vantagem é a redução do número de lâmpadas, aumentando a potência do sistema e diminuindo o custo.

Apresentamos abaixo uma relação de microrganismos, bem como a dosagem necessária para sua inativação com 90% e 99%.

Manutenção e Vantagens no Uso de Radiação UV

  • Não gera subprodutos
  • Não necessita de tanques de contato: apenas alguns segundos são suficientes para a desinfecção
  • Não oferece riscos ao usuário
  • A manutenção é muito simples, pois necessita apenas de troca anual da lâmpada e limpeza do tubo de quartzo de tempos em tempos. Dependendo da qualidade da água, a limpeza é dispensável

Outras Aplicações de UV

Efluentes: A grande vantagem do uso de ultravioleta em efluentes é que nada é acrescentado à mesma, ou seja, quando o efluente é descartado em um corpo aquático, com isso a água está praticamente isenta ou de acordo com os limites de microrganismos e sem subprodutos nocivos ao meio ambiente.

Quebra de ozônio: O ultravioleta com dosagem apropriada transforma o ozônio em oxigênio: 2O3+UV254=3O2

Uso de UV para decloração: Dosagens elevadas de ultravioleta, utilizando-se lâmpadas de média pressão, reduzem os níveis de cloro na água. Essa solução é utilizada quando não se deseja o uso de filtros de carvão ativado ou sódio metabissulfito.

Processos de Oxidação Avançada para Efluentes

Redução de COT (TOC*) – Carbono Orgânico Total: Outra importante aplicação de ultravioleta é o uso em processos de oxidação avançada, utilizando-se, por exemplo:

  • UV2+HO2 (peróxido de hidrogênio)
  • UV+O3 (ozônio)
  • UV+TiO2 (dióxido de titânio)

Oxidando-se efluentes de indústrias químicas, farmacêuticas ou cosméticas com os processos acima, é produzido o radical OH+ que quebra cadeias complexas de efluentes, transformando-as em subprodutos mais simples, ou mesmo CO2+H2O.

Conclusão

Hoje, a tecnologia de ultravioleta pode ser aplicada em várias áreas e o desenvolvimento de novos produtos com maior poder de desinfecção e menor preço é atualmente o grande objetivo dos principais fabricantes. Voltando ao início de nosso artigo, não considero cloro, ultravioleta e ozônio como tecnologias concorrentes, porém complementares. Os sistemas avançados de tratamento de água potável, pura ou ultrapura, muitas vezes empregam as três tecnologias em um único projeto. Creio que os produtores dessas tecnologias deveriam reunir-se para desenvolver um conjunto de sistemas de desinfecção utilizando as três tecnologias.

Agradecimento

Agradecimentos especiais: Phill Carrigan, Bill Cairns, Gail Sakamoto e Bruce Laing, da Trojan Technologies Inc. (London, Ontario-Canadá), pela ajuda no artigo.

Artigo publicado na revista Água Latinoamerica, edição março/abril de 2002